Para Guto e Carol
Há, até hoje, um debate entre acadêmicos, poetas e amantes das letras a respeito da natureza da poética nas músicas. Seria a canção um modo poético? Maria Cristina Aguiar, no seu “Música e poesia: A relação complexa entre duas artes da comunicação”, afirma que: “A música e a linguagem aparecem ligadas por grandes laços de afinidade entre si”.
Quando se trata de linguagem e de afetos eu sempre lembro das palavras de Mario de Andrade: “Ah, e o que é conto e o que é crônica ... Conto é tudo o que o autor chamar de conto”. Me apoio nele para justificar até meus contos, que muitos dizem são feitos de poesia, eu lembro de Mario de Andrade e digo: “não, meus contos são o que eu chamar de contos e ponto!”. Então, fica bem mais fácil resolver a questão. Quando sento e coloco um disco para ouvir é como se eu abrisse um livro de poesias e lesse, ouvindo, aquelas palavras que acalentam meu coração. Me deixem ousar: Música é poesia!
Simone acaba de lançar um álbum que é um livro de poemas. Mais que isso, um livro de poemas nordestinos. Ainda mais que isso, um livro com os compositores pernambucanos de uma nova geração que está surgindo. Sentar, colocar o álbum “da gente” para tocar e viver poesia. “Da gente” tem direção artística de Zélia Duncan e direção musical de Juliano Holanda (Procurem por esse novo mestre da nossa música nas plataformas musicais) e traz um panteão de novos poetas da nossa música em suas letras.
É difícil lidar com tanta poesia, inseridas nas melodias bem construídas de “Da gente”, quando se entra em contato com esse álbum, quando se para ouvir atentamente tudo que essas músicas/poemas dizem, então colocamos nossos corações em sintonia com uma estética nova (estética no sentido grego da aisthetiké que faz referência aos nossos sentimentos, a como percebemos a beleza do mundo), uma poesia oxigenada, que conta com a interpretação de Simone para se realizar.
Passeiam por “da gente” compositores como Juliano Holanda (mestre da nova música mundial pernambucana) em “Haja terapia” e “Boca em brasa”; PC Silva (Um dos meus preferidos) em “Imã” (a música que me derrete) e com Joana Terra (a deusa dos violões e da suavidade no canto e nas melodias) em “Por que você não vem”; Isabela Moraes (minha amiga que é a poesia em si) em “Você distante” e Martins (talento de compositor e cantor) em “A gente se aproveita” (um convite para namorar); Karina Buhr vem com “Amor brando” (que não é tão brando assim); Gean Ramos (um defensor do povo Pankararu, causa mais que urgente e necessária!) e Rogéria Dera (as canções mais fortes) vem com “Escancarada” (quer sair saia, mas passe o perfume que marque o caminho caso queira voltar!); Socorro Lira (Uma grande representante de tudo o que se pode chamar Brasil) vem com “Naturalmente”; Fagner, Zeca Baleiro e Fausto Nilo (dispensa apresentações) vêm com “Dezembros”; Cátia de França e Flávio Nascimento vêm com “Estilhaços”.
Não poderia haver outro título para esse “livro” de poemas nordestinos, brasileiros. “Da gente”, conta de tudo que é nosso, nossas saudades, nossas alegrias, nossos medos (O demônio lunático pousa sobre a catedral em chamas/ Aprendi a reconhecer a serpente pelo dourado das escamas/ Metade das coisas que ele diz não faz o menor sentido/ E a outra metade eu preferia mesmo era nem ter ouvido/ Já era pra ter saído) e nossos afetos. Simone apresenta esse belo sarau no dia 22/07 (sexta-feira) no palco do FIG, então “leia” o álbum “da gente”, aprenda todos os poemas, como você fazia no ensino médio, e vamos para a praça Mestre Dominguinhos recitar poemas que deixam marcas em nossas almas.
Por fim, o grande professor Lourival Holanda (leiam os artigos desse nosso mestre pernambucano das letras) afirma que: “A poesia parece permanecer como uma dimensão inalienável do ser humano – ainda quando justamente se discuta o que é ser humano, fica o testemunho de um modo de habitar diferentemente o mundo”. Aproveitemos o FIG para exercitarmos nossa humanidade por meio da poesia. Lourival Holanda ainda afirma que: “O mistério da poesia continua sendo menos o da coisa que se diga – e mais, muito mais, o da força que nos faz dizer”. “Da gente” fala das coisas que nos motivam, nós, brasileiros e brasileiras, nordestinos e nordestinas, a dizer o mundo, enunciar nossa força poética, gritar a nossa poesia aos quatro cantos do mundo. Cantemos a poesia! O resto, como disse o Hamlet de Shakespeare, o resto é silêncio.
por Pedro Henrique Teixeira | Guia do FIG
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